Em carta, médicos do Hospital São José notificam a instituição sobre paralisação do atendimento
Medida poderá ocorrer a partir de 1.º de agosto devido a atrasos no pagamento dos honorários e redução da tabela de serviços médicos em 25%

A Diretoria do Hospital São José recebeu notificação dos médicos que prestam serviços na instituição, informando que a partir de 1.º de agosto de 2018 os profissionais deverão paralisar suas atividades, em decorrência do atraso no pagamento dos honorários de setembro a dezembro de 2017 e janeiro de 2018, além da redução em 25% na tabela de plantões médicos, firmada com prazo de validade de seis meses e que vencerá no mês de julho corrente. A advogada do HSJ e presidente da Federação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos do Estado de Minas Gerais, Kátia Regina de Oliveira Rocha, durante coletiva de imprensa na manhã de terça-feira, 03, esclareceu que conversou de forma exaustiva junto com a Diretoria do HSJ a respeito do assunto e que não é desejo do hospital que tal situação ocorresse. Afirmou, com clareza, que a razão de ser do hospital é atender o sistema público de saúde, acolher a sociedade que precisa do serviço público de saúde. “Mas, nós vivemos uma situação de ausência dos recursos. Não adianta querer e não ter condições de executar o serviço. O hospital não deseja parar. Nós, ontem, buscamos o Ministério Público, confiamos no trabalho do Ministério Público, no Poder Judiciário. Então, precisamos buscar esse reequilíbrio e que o Estado pague a sua conta para com o Hospital São José”, explicou. Ao todo, a dívida geral do Hospital São José é de R$ 7 milhões, sendo que apenas o Estado de Minas Gerais está faltando com pagamentos de convênios desde 2017, com um total acumulado de aproximadamente R$ 2 mi.
Os médicos requerem ainda a pontualidade aos pagamentos dos honorários dos serviços contratados; que sejam feitos os repasses imediatos de convênios e verbas de prefeituras cujos valores já foram repassados ao HSJ; e que sejam realizadas melhorias nas condições de trabalho, como auxiliares médicos para as cirurgias, melhora na estrutura física e disponibilidade de materiais necessários para um bom atendimento ao paciente (sic). Ainda no teor da carta, datada de 25 de junho de 2018, ressaltam: “Importante mencionar que os NOTIFICANTES prestam os serviços contratados com excessivo profissionalismo, ética e responsabilidade. O interesse em melhoria e eficiência do funcionamento do hospital, não é uma luta apenas particular, mas para toda sociedade que depende de atendimentos médicos com dignidade. Portanto, os notificantes, caso não sejam atendidos com as reivindicações acima informadas, requerem RESCISÃO CONTRATUAL, e informam que a partir de 01/08/2018 não prestarão serviços à entidade notificada. Comunicamos, também, que informamos nossa decisão ao Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais, Ministério Público, Associação Médica e Secretaria Municipal de Saúde.”
Da parte do Hospital São José, a advogada Kátia Rocha salientou que hoje o HSJ está sacrificando os profissionais médicos, além de fornecedores que muitas vezes majoram seus preços exigindo pagamentos à vista, devido ao não recebimento, chegando num ponto de insustentabilidade. “Vai chegando a um ponto em que o hospital terá que parar, por segurança, para preservar a vida desses pacientes”, observou. “Mas, acreditamos, que uma solução despontará antes que essa situação trágica aconteça.” Kátia assegura que, se observada friamente a Lei 8 666, que rege os contratos de direito público e licitações, diante do atraso do Estado que já supera mais de doze meses, o HSJ já teria autorização para suspender os serviços. Porém, que o hospital vem tentando se manter em funcionamento, inclusive já buscou empréstimos em outras oportunidades, para manter-se em funcionamento. “E, agora, é o que eu digo que a maioria dos hospitais filantrópicos têm enfrentado: eles financiaram suas atividades, ou seja, eles tamparam o buraco do déficit do financiamento SUS com empréstimos bancários. E, a grande maioria, agora, já não têm margem para obter empréstimos.” Para a presidente da FEDERASSANTAS, nunca deveria ter sido a solução buscar empréstimos junto ao sistema financeiro, para poder suprir a ausência de custeio do poder público. “Mas, infelizmente, isso aconteceu. Em muitas instituições.”
A advogada do HSJ disse que qualquer trabalhador pode parar, sem previsão de qualquer recebimento. “Não interessa se é médico, enfermeiro ou farmacêutico, jornalista. Todos nós, trabalhamos e precisamos receber. Temos compromissos, cada um à sua maneira. Então, não é lícito, razoável ou justo que um profissional trabalhe sem previsão de recebimento. E é isso o que estamos acompanhando com o Estado de Minas Gerais: o Estado não é capaz, nem mesmo com as mediações junto ao Ministério Público – lá em Belo Horizonte -, de dar previsibilidade de repasse de recursos. Ora, que desgoverno é esse que nós vivemos? Você está numa crise e, nem na crise, temos gestão?”
Os municípios
Para a entrevistada, não se deve focar apenas no Estado. “Os municípios, apesar de conhecermos de perto a realidade deles, quanto à questão de financiamento de repasses de recursos - que eles recebem da União e dos Estados -, é importante que eles estabeleçam uma contribuição segura para esse co-financiamento do setor hospitalar”, comparou, prosseguindo: “nós já temos esse co-financiamento, tri-partite entre União, Estados e Municípios, tanto em relação a medicamentos, ao SAMU, às UPA's, e por que não em relação ao setor hospitalar? Por que deixamos morrer, à míngua, os hospitais filantrópicos, que realizam um serviço muito mais em conta do que o poder público, diretamente, e que infelizmente estamos assistindo aí a degradação, a dilapidação das nossas instituições, um patrimônio social, diga-se de passagem.”
Por se tratar de um assunto muito sério, a presidente da FEDERASSANTAS Kátia Rocha evidencia que o Hospital São José precisa, sim, da mediação do Ministério Público, antes mesmo de a instituição ir para a justiça, porque o problema é complexo. “É um problema que não tem solução 'num estalar de dedos'. Nós precisamos de uma construção de uma solução equilibrada. Teremos que ter uma decisão mais imediata, para evitar a suspensão dos serviços, ou seja, para que o Hospital São José possa receber os seus créditos, colocar a atividade em normalidade, e construirmos uma solução de equilíbrio para médio e longo prazo.”
O que tem agravado a situação dos hospitais filantrópicos, remonta Dr. Kátia, é que no decorrer dos últimos vinte anos a resolução dos sub-financiamentos foi com empréstimos bancários. “Tanto é que o Ministério da Saúde criou uma linha para empréstimos para as santas casas onde o valor da parcela é retida diretamente no SUS, para favorecer e dar segurança aos bancos. Ou seja, o Governo sempre teve ciência do endividamento das nossas instituições”.
Além de os hospitais filantrópicos estarem sem crédito, o atraso de repasses é histórico e nunca aconteceu nessa proporção. Repasses que nunca sofrem reajuste: “Gente, nós estamos com um orçamento anual do Estado em atraso. São mais de R$5,5 bilhões. É surreal, ou seja, quem entende da área da saúde sabe que, quem dera, se o problema da saúde fosse somente em Ituiutaba. O Hospital São José funciona na linha da economia, da efetividade. Nós percebemos que o que eles precisam aqui, pra funcionar bem, tem muitas UPA's por aí, que gastam o dobro desse hospital. UPA. Que não tem nem mesmo estrutura hospitalar, bloco cirúrgico, UTI e, por aí, vai.”
Finalizando, Dra. Kátia disse que a instituição Hospital São José não goza ainda de uma situação de insolvência. “É exatamente por isso que o hospital quer soluções para evitar que cheguemos a uma situação como essa. O HSJ hoje tem um endividamento, causado pelo sub-financiamento, porque é uma instituição que se dedica em mais de noventa por cento ao SUS, causada pelo sub-financiamento. Diga-se de passagem: eu desafio, hoje no Estado de Minas Gerais, qualquer gestor público que conduza um hospital com o custo que hoje ele – o HSJ – tem aqui, pela gestão atual do hospital. Eu desafio! Porque, nem unidade de pronto-atendimento consegue funcionar com o valor que, hoje, o HSJ funciona. O que nós queremos, é evitar esse estado de insolvência, que é dramático.”
Texto e Fotos: Flávio Oliveira / RP HSJ
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